Vovó continua animadíssima, mas só na cabeça. Combina mil coisas, nem sempre dá conta. Vovó se matricula, se inscreve, escreve. Inaugura uma vida nova numa nova cidade. Um Rio de Janeiro sem sol a pino, chuvoso, diferente.
É como se vovó não morasse mais numa cidade de praia. Ipanema não se cuidou nesses últimos anos. Geribá continua limpa, apesar dos quiosques, das casas enfileiradas roubando o verde, dos engarrafamentos que vovó "não suporta", e da "frequência".
Frequência perdeu o trema. Vovó pegou duas reformas ortográficas. Êle tinha acento, quando vovó era nova.
Vovó e suas contemporâneas inauguram as cinquentenárias sem trema. Não têm espelho onde repetir-se, não têm tradição para seguir. Algumas assumem as madeixas grisalhas. Outras fazem plástica, terapias, meditação, natação, alongamentos, preenchimentos.
A turma da vovó preenche a nova vida com planos inventados. Nunca estiveram em cartilhas. Vovó não lê livro de auto-ajuda, não acredita em fórmulas, em verdades definitivas, em donos da verdade e seus inquilinos. A verdade é como vovó, passageira.
A verdade é que vovó continua irreverente.
O médico setuagenário acha vovó "tão mocinha". O trintão quer levar vovó pro Circo Voador, mas aquele barulhão, vovó "não suporta". Vovó e seus amigos contemporâneos brincam de tomar shopinha e vez por outra remédio de tarja preta. Os amigos da vovó continuam divertidíssimos, mais ainda agora que perderam a vergonha.
No guarda-roupa da vovó os modelitos ainda se confundem. Não quer se fingir de brotinho, nem abraçar um luto que já não existe nem para os centenários. Vovó teme os cem anos.
As vovós sem trema pesquisam uma nova forma de vestir, que ainda está em estudo. Enquanto refletem, passeiam, viajam, curtem a nova família recém-fundada.
De fruto e flor, vovó virou alicerce, precisa estar forte neste tronco e cuidar bem das colunas renascentistas.
A dança afro virou pilates. Seus colegas de turma, todos sentem alguma dorzinha.
Vovó tem comichão nas costas. Ano passado envelheceu muito, gastou muito com médicos, fragilizou-se, teve mêdo com acento. Visitou psiquiatras, psicanalistas, homeopatas, vegetoterapeutas, osteopatas, fisiatras, fisioterapeutas. Fez uma série de hidroterapia e eletro-estimulação sueca. Teve horror de piorar da comichão na lombar e paralisou-se. Cortou curto os cabelos, suspendeu a tinta, deixou o carro na garagem e arriou a bateria. Não subiu ladeiras, evitou esforços, recusou convites, instalou muitos canais de tele-cine, assinou jornais e preparou-se para viver quase em repouso.
Como nada deu certo, bem no dia de seu aniversário subiu rampas, percorreu trilhas, pegou o sol do meio-dia bem na cara, caminhou sete horas fotografando uma cidade mineira, dirigiu pela estrada como antigamente, suspendeu os médicos e os remédios no mesmo dia. E tomou uma decisão definitiva: saiu da NET combo porque se sentia presa.
E como a comichão não piorou nem melhorou, vovó voltou a escrever, inaugurou três blogs e voltou a manipular fotografias, horas sentadas em frente ao computador, contra todas as orientações médicas.
Daí vovó emagreceu, o cabelo pintado cresceu de novo e vovó pegou a estrada, com comichão e tudo. Ficou mais nova, quando menos esperava.
Uns dizem que vovó está ótima, que perdeu uma falsa euforia. Outros convidam vovó pra gafieira, pro Bola Preta, vovó acha graça e recusa. Vovó perdeu a juventude, mas não perdeu a fama. É preciso reconsiderá-la.
As vovós sem trema pesquisam uma nova forma de namorar, que ainda está em estudo.
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