10/07/2013
Artur Xexeo, sobre Sangria
SANGRIA
Artur Xexeo:
“A chave da poesia de Glória Horta pode ser encontrada na apresentação que ela mesma escreveu para esta coleção de versos explícitos. "Foi trocando terapias por poemas que juntei de mim, neste livro todos os pedaços.. ." Os pedaços poéticos de Glória fluem torrencialmente como as confissões de uma bem sucedida sessão de psicanálise. Aí está a trajetória de uma mulher que beira os trinta anos. Não é muito diferente de outras trajetórias de sua geração. Glória é daquela turma que, quando chegou à universidade, encontrou os diretórios acadêmicos fechados. É o mesmo pessoal que, quando saiu da adolescência, descobriu na prática as teorias sobre liberdade sexual, igualdades feministas e outras idéias de comportamento que, hoje, tornaram-se banais. Espremida entre a geração da luta e a geração do prazer, Glória seguiu o caminho de sua época: primeiro ganhou independência, depois casou. Teve uma filha, depois descasou. Antes de começar seu caminho, havia encontrado um refúgio seguro, daqueles sonhados por todo mundo. 0 dela é na Praia de Geribá, em Búzios, ou "o meu pedaço de mulher descalça, que só usa short e saia", como ela descreve num de seus bem construídos textos.
Glória sempre teve bom texto. Por isso, na faculdade de comunicação, seus colegas (e eu era um deles) imaginavam para ela um futuro de grande jornalista ou bem sucedida redatora publicitária. Naquele tempo, Glória já era a poeta e a gente nem percebia, perdidos na certeza concreta de significantes e significados.
Agora está tudo aí. O primeiro grito de independência "Não decorei orações. . . não recitei ladainhas"!, a feminista e generosa descoberta de um machismo às avessas ("o falo é um fardo"), a difícil convivência da poesia com a cidade grande ("Oh. minha amante do banco de trás"), a certeza de seu amor pelos versos (‘de mim. deixarei poemas e filhos, que teimo em fazê-los'). Glória vem acumulando, há alguns anos. sua psicanálise poética. Agora, ela a divide com a gente, como numa terapia de grupo. Aproveite: a leitura de seus versos é reveladora de uma geração. Às vezes incomoda, às vezes provoca puro prazer. Como os reflexos de um espelho.
Artur Xexèo 1984
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